Um tema que à primeira vista parece elementar e simples, porém se pararmos para pensar um segundo e nos perguntarmos: Qual é a queixa mais frequente em consultório de um paciente relativamente jovem sem cardiopatia estrutural?
A resposta é: Palpitações taquicárdicas.
Embora pareça simples, uma parcela desse grupo sintomático pode eventualmente necessitar até mesmo de tratamento ablativo.
Vamos pensar um pouco em como atender sistematicamente esse caso? Sim! Para isso precisamos antes de iniciar a consulta nos perguntar: Essa taquicardia é sinusal? Se sim, ela é apropriada ou inapropriada? Então antes vamos relembrar alguns conceitos importantes;
1) Taquicardia sinusal é a resposta fisiológica a ativação simpática e/ou retirada parassimpática. Esses dois sistemas contrabalançam na missão de acelerar ou desacelerar a frequência cardíaca conforme nossa necessidade fisiológica, quando há uma resposta “inadequada” ou “ inapropriada” cai no conceito a seguir.
2) Taquicardia sinusal inapropriada é uma taquiarritmia não paroxística caracterizada por um aumento persistente na frequência sinusal em repouso não relacionado ou desproporcional ao nível de estresse físico, emocional, patológico ou farmacológico, ou uma resposta exagerada da frequência cardíaca ao esforço mínimo ou uma mudança na postura corporal.
Então, de uma forma bem simples chamaremos de Taquicardia Sinusal Inapropriada (TSI) quando um paciente mantiver sintomas de palpitações e os critérios abaixo sem nenhuma causa justificável;
CRITÉRIOS PARA TAQUICARDIA SINUSAL INAPROPRIADA |
Taxa sinusal em repouso durante o dia ≥100 batimentos / min |
Taxa sinusal média de 24 h ≥90 a 95 batimentos / min |
Resposta da frequência cardíaca exagerada a estresse físico ou emocional mínimo |
Morfologia da onda P semelhante ao ritmo sinusal normal |
Sintomas marcadamente angustiantes |
Ausência de causas secundárias de taquicardia sinusal |
Uma analogia para ficar fácil de raciocinar seu atendimento é pensar na TSI na arritmia clínica como uma fibromialgia para a reumatologia, ou seja, é quase um diagnóstico de exclusão. Até chegar a este diagnóstico você terá excluído de forma minuciosa todas as causas de aumento “apropriado” de frequência cardíaca. A propedêutica armada para isso será todo em função de busca de causas de aumento de FC e/ou documentar essa TSI sem razão para ser.
Quando iniciarmos esta consulta o check list de investigação que não podemos deixar de excluir é:
CAUSAS APROPRIADAS PARA TAQUICARDIA SINUSAL |
FISIOLÓGICAS Gravidez Emocional Exercício físico |
DROGAS Anticolinérgicos; Simpaticomiméticos; Vasodilatadores; Retirada de βeta-bloqueador; Hormônios da tireóide; Descongestionantes; Fenoterol Salmeterol Teofilina, Cafeína, Álcool; Tabaco; Cocaína; Anfetamina |
CONDIÇÕES MÉDICAS Dor; Anemia; Infecção; Depleção do volume; Hipotensão; Ansiedade; Febre; Hipoglicemia; Hipertireoidismo; Doença de Cushing; Feocromocitoma; Cardiomiopatia; Insuficiência cardíaca; Infarto do miocárdio; Pericardite; Embolia pulmonar; Neuropatias; DPOC; Ablação de taquiarritmia prévia; |
Pronto! Identificamos todas as causas que podem justificar esse aumento. Quando as excluímos todas e documentamos critérios para Taquicardia Sinusal Inapropriada (TSI) o próximo passo será controlar sintomas e garantir uma frequência cardíaca próxima da fisiológica até para evitarmos disfunção ventricular no futuro por taquicardiomiopatia, ou seja, uma frequência cardíaca perenemente aumentada deteriorando a função do miocárdio ventricular.
O tratamento medicamentoso realmente, ou talvez até infelizmente, tem sido paliativo e direcionado ao controle de sintomas. Beta-bloqueadores (BB) são prescritos como terapia de primeira linha para a maioria dos pacientes. Segunda linha principalmente aos intolerantes ao BB, bloqueadores de canais de cálcio: verapamil e diltiazem. Ivabradina: trabalhos têm sido reportados mais recentemente.
Um tratamento invasivo também poderá ser proposto em casos de refratariedade ao controle medicamentoso. É muito importante que a relação médico-paciente esteja bem consolidada em questão de optar por ablação em tratamento invasivo de TSI pois por se tratar de um procedimento invasivo e com riscos inerentes é fundamental ter de fato excluído as causas de taquicardia sinusal apropriada, definido critérios, manutenção de sintomas em refratariedade a despeito do tratamento medicamentoso otimizado e estabelecer um vínculo com seu paciente acerca do norte de tratamento proposto. Relativamente poucos pacientes atingirão a combinação desejada de alívio dos sintomas e frequência cardíaca normal. A maioria das recorrências ocorre de 1 a 6 meses após o procedimento e geralmente está́ relacionada à recorrência de taquicardia após um procedimento inicialmente bem-sucedido. Pode ser necessário repetir o procedimento em pacientes com sintomas intoleráveis. As complicações da modificação do nó sinusal incluem tamponamento cardíaco, síndrome de SVC, paralisia diafragmática e disfunção do nó sinusal.
Você pode estar se perguntando, “mas vamos ablacionar o nó sinusal, é isto?” Sim!!! Mas não todo ele, existe uma porção que gera impulsos mais rápidos por minuto, local onde nasce o estímulo elétrico. Vamos revisar um pouco do nó sinusal:
O nó sinusal é uma estrutura subepicárdica em forma de “crescente” ou “girino” localizada lateralmente dentro do sulco epicárdico do sulco terminal do átrio direito junção do apêndice trabeculado anterior com a parede lisa da VCS como componente posterior. O aspecto endocardico do sulcus terminalis é marcado pela crista terminalis; Começando epicárdico na junção da veia cava superior (VCS) e apêndice atrial direito, o nó sinusal segue para baixo e para a esquerda ao longo do sulco terminal, para terminar subendocárdico quase até a veia cava inferior (VCI).
Resumindo, o Nó sinusal tem formato de virgula e a cabeça da virgula é quem manda o estímulo e além de iniciar ali, é ali também que é mais rápido. Portanto, se “queimarmos” a cabeça da virgula, a cauda passará a ser o sítio de início do estímulo elétrico e fisiologicamente mais lento, o que resolve nosso problema.
Parecia simples não é mesmo? E é! No entanto, sistematize esse racional fisiopatológico no seu atendimento e fique mais seguro nesta condução clínica.
Referência:
Clinical arrhythmology and electrophysiology: a companion to Braunwald’s heart disease / Ziad F. Issa, John M. Miller, Douglas P. Zipes.— 2nd ed.